Sabe quando você está ouvindo música no carro e só fica passando de uma faixa para a outra? Um pouco daquela síndrome do guarda-roupa cheio, que está repleto de peças e você sente que não tem nada para vestir. Às vezes, eu também sofro desse mal de não conseguir estacionar em nenhuma música, mas basta cair em alguma do Clube da Esquina, que eu sossego e deixo rolar. É regra!
Existe uma mágica por trás desse movimento e o objetivo desse texto não é conceituar e nem detalhar sua trajetória, mas tentar, a partir de uma percepção pessoal, contar porque o Clube da Esquina deveria ser obrigatório da na vida das pessoas.
Inclusive, aproveito o gancho para citar uma publicação recente do podcast “Discoteca Básica” que divulgou uma lista dos 10 maiores discos brasileiros de todos os tempos e elegeu “Clube da Esquina” de Milton Nascimento e Lô Borges, lançado em 1972 como o grande vencedor. A relação foi feita por 162 especialistas de áreas ligadas a música como jornalistas, youtubers, podcasters, produtores e musicistas.
Mas o que tem de tão especial nesse álbum? Nesses caras? Nesse som? Aqui vai um relato pessoal. Por ser filho de um pai muito apaixonado por música e, relativamente bem entendido do assunto, tive o privilégio de ouvir em casa muita coisa boa, dentre elas, as canções de Bituca, Lô, Beto Guedes, Toninho Horta e companhia. E admito, não morria de amores pela obra, embora tenha uma lembrança de adorar ouvir “Maria, Maria”, talvez pela sua dinâmica sonora mais popular.
“Entender” Clube da Esquina, para mim, foi daquelas epifanias sorrateiras. Assim como qualquer manifestação artística, cada ser humano é fisgado por algum detalhe e a absorve em ritmos, formas e fruições diferentes. E eu adoro saber das pessoas o que elas mais amam nesse movimento.
Tecnicamente, há pessoas muito mais habilitadas que eu, um mero pianista amador, capazes de explicar a riqueza de “Trem Azul”, “Cais”, Um girassol da cor de seus cabelos”, “Nada será como antes”… paro por aqui, porque a lista é grande. Mas o que realmente “me pegou” em cheio, foram as curvas das melodias. O “click” veio quando eu tentava tirar de ouvido, no piano, “Fé cega, faca amolada”.
A melodia é a coragem de uma música, é o que diferencia o músico “bom de serviço” – para ficar no mineirês – de um compositor de talento nato. E nada é tão genuíno quanto a beleza das notas das músicas do Clube da Esquina. A poesia é grandiosa, a harmonia também tem umas sacadas espetaculares, as variações rítmicas e andamentos fora do padrão são surpreendentes, mas a melodia que essa galera criava é o grande ponto alto. São de outro planeta. Do planeta Minas Gerais.
As notas são sinuosas iguais às nossas montanhas, você não precisa ler Fernando Brant dizer que “solta a voz nas estradas”, para entender que as estradas são cheias de curvas e belíssimas; basta parar e ouvir, mesmo que seja só alguém assobiando. Sem que fosse necessário escrever uma palavra sequer, as melodias do Clube da Esquina contornam de maneira brilhante a silhueta da nossa terra, dos nossos valores, do nosso povo.
Por isso, é uma música tão universal, tão apreciada também fora do Brasil. Costumo repetir que a simplicidade é o último estágio da sofisticação e, as músicas desse movimento, parecem ser um exemplo de como essa verdade pode ser materializada em som e silêncio.
Todos ainda vamos amar o Clube da Esquina, e eu espero que o despertar para essa beleza singular aconteça o quanto antes na sua vida. Cada ano sem ouvir Clube da Esquina é um ano perdido.
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Autor: Leonardo Penna, Publicitário formado pelo UniBH e músico amador